"Como ele dizia, apenas necessitava que os pais vissem e reconhecessem o seu sofrimento; que estivessem lá (no amparo afectivo); e que o aceitassem nas suas diferenças.
Fazer diferente daquilo que é uma tradição familiar, implica muito sofrimento. Mas também implica coragem - a coragem de ser diferente!" - Patrícia C. Roseiro
A diferença face à tradição familiar
Fazer diferente daquilo que é uma tradição familiar, implica muito sofrimento. Em tempos, numa sessão, falávamos de como aquele paciente sempre se sentiu tão sozinho e abandonado, vivendo isoladamente e num sofrimento atroz, diversos problemas, nomeadamente, na relação consigo, com o seu corpo, e com os outros, dificuldades essas que se intensificaram na adolescência, naturalmente. Como ele dizia, apenas necessitava que os pais vissem e reconhecessem o seu sofrimento; que estivessem lá (no amparo afectivo); e que o aceitassem nas suas diferenças face aos padrões familiares.
Fazer diferente daquilo que é uma tradição familiar, implica muito sofrimento. Mas também implica coragem - a coragem de ser diferente! A coragem de se ser quem é, numa identidade própria. Nem sempre os nossos pais nos conseguem apoiar nos nossos movimentos de ruptura com as "tradições familiares", sejam elas de representações afectivas, de vida ou funcionais. Por vezes, vendo-nos fazer diferente, vivem uma ambiguidade afectiva que dificulta (em alguns casos impede) o apoio que necessitamos como filhos. Pois essa diferença poderá representar, para eles, o medo do que nos possa acontecer; a revolta e dificuldade em aceitar que tentámos seguir o rumo que também eles desejaram mas não conseguiram (ou face ao qual não se permitiram tentar). Mas também sentem uma inegável felicidade, mesmo que inconscientemente, e o orgulho, muitas vezes não expresso, por nos termos permitido e, de alguma forma, irmos conseguindo. Nessa medida, e numa perpectiva de concílio, é possivel acedermos à representação de que eles tiveram as escolhas deles, nós vamos tendo as nossas, e está tudo bem. O amor, a relação não tem de estar em causa, são apenas escolhas diferentes. E é precisamente perante a diferença, o que não é igual/usual/habitual, que podemos crescer e amadurecer.
Viver essa diferença, quando no respeito pelo Eu e pelo Outro, é estar ligado à vida, é avançar e fazer acontecer, pela força que a vida integra em si mesma. E, nessa medida, porque nos acompanhamos de nós próprios, também nos permitimos a reconhecer outras fontes de amparo, validação e, assim, acrescer ao que os nossos pa is nos conseguiram dar, a força que apenas neles procurávamos.
Patrícia C Roseiro
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta de Apoio
Texto integrado no projecto:
“A escrita como ferramenta de expressão, partilha e aprendizagem” – Dialógicos