Desde cedo, aprendemos a imaginar. Imaginamos brincadeiras, conversas, momentos, futuros, de uma vida por vir que parece tão ao nosso alcance quanto a palma da mão. Mas poucos nos ensinam a lidar com o que nasce a seguir: a frustração, silenciosa e insistente, de quando a realidade não acompanha o guião que escrevemos na cabeça.
Entrar na vida adulta é, muitas vezes, uma travessia inesperada – onde a questão “quem sou?” se cruza com a questão “quem devo ser?”. Traz consigo uma imprevisibilidade que nos confunde, nos desorienta e, por vezes, nos entristece. A solidão – que não grita, chega sorrateira, e senta-se ao nosso lado -, pode surgir, ao olharmos à volta e vermos um amigo a comprar casa, outro a casar, um terceiro a ter o primeiro filho, e mais um a terminar a faculdade depois de mudar de curso. E, de repente, sentimo-nos atrasados, como se estivéssemos numa corrida infinita que não sabemos bem quem a começou e, pior ainda, qual o percurso certo a seguir.
No entretanto, surge a culpa. De não sermos tudo aquilo que esperávamos ser, de ouvirmos que “a vida está cheia de possibilidades”, ao mesmo tempo que nos sussurram, ou exigem, que já devíamos ter feito escolhas. “Quando compras casa?”, “Já pensaste em casar?”. A liberdade para sonhar, que em tempos nos pareceu tão cheia de possibilidades, começa agora a pesar, como uma exigência silenciosa. E, no fundo, há a tristeza. Por não termos, ou não sermos, aquilo que sonhámos. Fica ali, discreta, a lembrar-nos daquilo que julgávamos já dever ser nosso.
Talvez este seja apenas o momento de aceitar que o ritmo certo não é o dos outros, mas aquele que faz sentido para nós. Talvez ainda possamos apenas… ser. Ser, em casa a ler um livro numa sexta-feira à noite. Ser, num passeio calmo ao fim da tarde, sem rumo nem pressa. Ser, entre amigos, num sábado à noite. Ser, mesmo com dúvidas, mesmo com medo.
Ser apenas, para poder continuar a sonhar.
INÊS GRIFF
Psicóloga Júnior - Dialógicos
Texto integrado na Rúbrica Ver.Sentir.Reflectir - Julho 2025